quarta-feira, 22 de abril de 2009

E nem o erro é disperdício...

"A gente vive num mundo encarcerado pelo medo que nós mesmos criamos de nós mesmos. O medo é o nosso único inimigo."
Jorge Vercillo - no programa Entrevista Record Música

Nosso jardineiro em entrevista ao programa Entrevista Record Música novamente frisou que na opinião dele o medo é o nosso inimigo. Fazendo uma visita ao site da amiga Ana Jácomo, encontrei um texto que me fez lembrar as palavras do nosso poeta.


De cor

Ana Jácomo

Sei de cor o sentimento das sementes que abrigam árvores frondosas, mas têm um medo imenso de permitir que a casca se rompa. E as raízes se alastrem. E a ideia floresça. E os frutos vicejem. Sei de cor a dor das primaveras contidas nas sementes que emudecem. A dor da lua cheia em noite nublada, doida pra derramar seu clarão. A dor das nuvens infladas de encanto que querem chover, mas não conseguem. Sei de cor o tempo da lagarta, o aperto do casulo, a emoção da crisálida, a surpresa de se flagrar com asas sem saber direito o que fazer com elas.

Sei de cor a aflição diante do deserto que parece crescer, sem sinais de oásis, quanto mais se caminha. Os calos do caminhante. O cansaço que sente. A sede que aflora. A vontade de parar, às vezes, e nunca mais arredar a vida dali, mas como a alma o convida a avançar, com todos os calos do mundo, com todo cansaço do mundo, com toda sede do mundo, seduzido, enternecido pelo chamado, cheio de fé, ele dá mais um passo e mais outro e mais outro, incontáveis.

Sei de cor como dói perder. Como dói perder várias vezes. Como dói perder o que mais amamos. Que medo que dá de ganhar, depois, com a perspectiva assombrosa de uma nova perda. Que medo que dá de dançar com o improviso outra vez. Que medo que dá de reconhecer que a jornada, é, sim, feita de vida e morte, e que não há lugar para onde possamos fugir sem que a natureza nos acompanhe. Que medo que dá de permitir que aquilo que morreu se transforme em húmus, no nosso coração, para nutrir as belezas que haverão de nascer. Sei de cor como é difícil o desapego. Como demora a chegada do instante em que, enfim, mais humildes e um pouco mais sábios, nos desarmamos, nos rendemos à força que nos move e deixamos a vida cantar do jeito dela.

Sei de cor os caminhos da fuga. Como nos tornarmos hábeis em inventar pretextos, contextos, textos, para fugir de nós mesmos. Como nos tornarmos hábeis em inventar pretextos, contextos, textos, para fugir dos outros, às vezes tão amados. Como dizemos bobagens quando queremos apenas dizer o nosso amor, o nosso medo, a nossa música, a nossa humanidade, a nossa divindade, a nossa vastidão. Sei de cor os caminhos da fuga. Os mecanismos conhecidos e aqueles outros todos que inventamos, assustados, pela estrada. Sei de cor que fugir, por mais incrível que pareça, acaba nos levando, cada vez mais um pouquinho, para mais perto dos encontros.

Sei de cor que viver é trabalhoso à beça, e, ao mesmo tempo, uma oportunidade preciosa. Que, de vez em quando, o trabalho aumenta mais e a preciosidade também. Que dá vontade de correr, às vezes, mas não há lugar algum para onde possamos ir sem nos levarmos. Estamos o tempo inteiro com nós mesmos e essa é daquelas verdades que não mudam de cara, por mais que o tempo passe e tudo mude. Sei de cor que não importa as diferenças de cenário, de roteiro, de elenco, de trilha sonora, de efeitos especiais, todas as histórias têm algo em comum: o desafio e a graça do aprendizado do amor. É, sobretudo, para aprendermos a amar que estamos aqui. Às vezes, eu esqueço; você também, imagino. Mas a vida, não demora, vem nos lembrar de novo.

Sou uma caminhante na estrada do aprendizado do amor. Às vezes, exausta, eu paro um pouquinho. Cuido das dores. Retomo o fôlego. Depois, levanto e, seduzida, enternecida pelo chamado, cheia de fé, eu prossigo. Um passo e mais outro e mais outro e mais outro, incontáveis. Sei de cor que não é fácil, mas sei também que é maravilhoso olhar para o caminho percorrido e perceber o quanto a gente já avançou, no nosso ritmo, do nosso jeito, um passo de cada vez.

Fonte: http://www.anajacomo.blogspot.com/


~ Margarida ~

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